domingo, 13 de setembro de 2009

Para Vaticano, lei das religiões é 'perigo' e 'retrocesso'

No dia 9 de agosto, a Rádio Vaticano, voz oficial da Sé de Roma, publicou editorial em que condena com veemência a chamada lei das religiões. Vale a pena ler sua íntegra:


EDITORIAL: PERIGO NO AR!
Cidade do Vaticano, 30 ago (RV) - Ao mesmo tempo
em que louvamos o Congresso Brasileiro pela aprovação do Acordo entre o Brasil e a Santa Sé, ficamos perplexos com a futura criação da Lei Geral das Religiões.

No Acordo vimos dois Estados, duas entidades independentes, autônomas, falando no mesmo nível e contemplando todas as religiões com as benesses adquiridas, se
isso acontecer.

Na Lei Geral, paira no ar um cheiro de retrocesso, de volta à dependência ao Estado, de solicitação ao Poder Civil para que legisle sobre a prática da fé. Sente-se algo de retorno ao Brasil Império, onde um ministério legislava sobre a religião, como poderia e deveria ser praticada.

Esperava-se que os representantes do povo, cônscios de sua responsabilidade, não se deixassem levar por partidarismos, mas vissem o bem geral da nação. Infelizmente tal não acontece. Deixando de lado situações mais graves, vamos nos referir a situações comezinhas, mas não menos importantes, quando se pretender colocar no mesmo rol, por exemplo, um templo de 400 anos, seja de uma igreja cristã ou de uma sinagoga, mas patrimônio cultural da nação brasileira, com uma construção de poucos anos, que até há pouco era um local de diversão. Parece que não se entende do que se legisla e coloca-se no mesmo saco "oves et boves". (CA)



Ora, mas a chamada lei das religiões nada mais é do que uma cópia quase ao pé da letra do texto da concordata, com a diferença que concede a todos os grupos religiosos as benesses e privilégios que na concordata só a Igreja Católica recebe.

Para quem ainda não havia percebido, o editorial deixa escancarado o fato de que o discurso de igualdade da Igreja Católica sobre "abrir as portas para as demais religiões" é patentemente falso. A Igreja Católica, os representantes do Vaticano e da CNBB e os partidários do acordo repetiram à exaustão a idéia de que "o Acordo não impede, de forma alguma, que outras crenças – cientes dos direitos que lhe são reconhecidos pelo Direito Internacional − venham a celebrar acordos para preservar seus cultos e ritos" (Estado laico não é Estado ateu, publicado também pela Rádio Vaticano, e no mesmo dia 29 de agosto que o editorial em questão). Mas é claro que essa era uma declaração fácil de fazer, pois é sabido que a consecução desses outros acordos com mesma natureza jurídica era impossível. Mas eles não contavam com a astúcia dos parlamentares brasileiros e foram pegos de surpresa pela brilhante idéia de copiar o acordo com a Sé de Roma e colar em uma lei brasileira. E agora são obrigados a mostrar o verdadeiro espírito da concordata.

A Igreja Católica não deseja igualdade e por isso não é igualdade que a concordata propõe, como temos dito desde o começo. O Vaticano está tão receoso da igualdade que prefere se submeter ao vexame de contrariar o discurso de poucas semanas atrás a deixar passar em branco a lei das religiões.

A expressão latina ovs et boves deixa isso bem claro. Ela é uma referência ao livro de João e literalmente significa apenas "ovelhas e bois". Mas a expressão completa é boves et oves et columbas, et nummularios sedentes (bois, ovelhas, pombas e os cambistas ali sentados), e descreve a confusão que Jesus teria achado antes de seu acesso de fúria com os "vendilhões do templo". Ela costuma ser utilizada para agrupamentos bastante hereogêneos, reunidos sem lógica ou semelhança alguma. É assim que a Igreja Católica se vê: como acima e ao largo de todos os demais grupos religiosos, portanto nada menos do que plena merecedora de tratamento acima e ao largo dos demais.

Para o Vaticano, o acordo com a Sé é bom e legítimo; quando as mesmas benesses (na verdade, nem todas) são estendidas a todos, trata-se de "perigo" (com direito a exclamação!) e retrocesso. Quando se trata do Vaticano, o acordo não fornece privilégios à Igreja Católica; quando se trata dos demais, é "partidarismo" que não leva em conta "o bem geral da nação". Proteger e financiar a manutenção de todas as católicas, sem exceção, é sacrossanto dever do Estado. Fazer o mesmo com os demais templos, é colocar no mesmo saco oves et boves. Essa é a "igualdade" que prega a Igreja Católica e que orienta tanto os termos atuais da concordata como sua interpretação, que o próprio documento aponta ser privilégio da Igreja. Esperamos que os senhores senadores não vendam suas almas a esse ataque tão claro à liberdade e igualdade religiosas no país.

Um comentário:

Salomão Ximenes disse...

Caro Daniel,

A Hierarquia Católica (Vaticano e CNBB) é RESPONSÁVEL pela aprovação da Lei Geral das Religiões na Câmara dos Deputados.

At.
Salomao